Sunday, August 31, 2008

LEVEMENTE PARANÓICO

Ontem à noite lembrei-me de Allan Abouchar que desenvolvia estudos e pesquisas sobre transportes no Brasil em decorrência de convênio entre o Ministério do Planejamento e a Universidade da Califórnia, na qual era professor. Nessa época, eu era o economista-chefe do Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes - GEIPOT, recem criado no Rio. Queixava-se ele de ter pago uma exorbitância para consertarem um vazamento surgido no imóvel que ocupava. Depois de explicar-me rapidamente o defeito, concordei com ele que o preço cobrado pelo bombeiro (encanador, em S. Paulo e no sul) fora muito alto. Disse-lhe que a única forma de ele não ser explorado no Brasil seria desenvolver uma leve paranóia do tipo "em compras, acertos de prestação de serviço (em todos os níveis, infelizmente...), em qualquer transação, enfim, deve-se sempre desconfiar e pensar que se está sendo logrado" . Em suma, para se adaptar a nosso ambiente, ele deveria desenvolver uma "leve paranóia persecutória" . Não sei se por predisposição genética ou cultural esse viés psicológico tem me protegido também no espaço público contra assaltos. Contudo, isso pode nos levar a erros grosseiros de avaliação como me aconteceu ontem. Dirigi-me a uma das grandes farmácias que operam em cadeia e solicitei um medicamento genérico de determinado produto em cuja receita constava, além do nome comercial, a identificação química da droga. O farmacêutico voltou e disse: " não tem". Perguntei-lhe se existia o genérico e ele respondeu-me: "sim. Mas faz anos que não recebemos mais" Conversamos, então, sobre o assunto, tendo eu encaminhado a conversa para eventual sabotagem do fabricante que teria feito acordo com o produtor do original, relativamente caro, dividindo entre eles o lucro excedente do monopólio daquela fórmula química. Saí da farmácia e, desconfiado, passei por outra onde se confirmou a existência do genérico pela metade do preço. Todavia, no momento, não dispunha em estoque. Informou-me o nome do laboratório que o fabrica. É uma multinacional francesa muito conhecida. Descobri, em seguida, que o que comprara pelo dobro do preço, também pertencia a um laboratório francês meu desconhecido. Dali, até a próxima farmácia, no caminho de retorno a pé para minha casa, comecei a engendrar um acordo entre os dois laboratórios franceses visando a explorar o pobre e ignorante consumidor brasileiro. Entrei na terceira dograria e lá encontrei o genérico. Decidi voltar ao local em que comprara pelo dobro do preço e no caminho desliguei o sistema paranóico e perguntei-me qual era meu objetivo ? Respondi mentalmente: "Receber o que paguei para comprar na última farmácia visitada, ganhando um valor razoável." Entrei e polidamente disse: "consegui o genérico pela metade do preço que paguei aqui por esse produto. Desejo devolvê-lo". Afinal, consegui economizar e andar um pouco mais do que previra, o que me faz muito bem. Abandonei a idéia de acordo entre multinacionais. O viés paranóico funcionou, mas precisa de controle. Daros

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