Friday, December 11, 2020

Quarentena

Prezados leitores, trata-se de artigo não aceito para publicação na Folha na época em que o escrevi. Resolvi divulgá-lo,  novamente, em meu modesto BLOG, tendo em vista o que acontece hoje. E também pelo fato do Presidente Bolsonaro, em manifestação pública se vangloriar do Brasil ter sido o País que melhor enfrentou a pandemia e que, agora (dia 12/12/2020), "estamos no finalzinho"(sic). 


                               Quarentena -  Sim ou Não                                                                                                                                                                                                             E. J. Daros*

              Infelizmente, políticos adeptos da velha filosofia religiosa maniqueísta continuam ocupando o poder e conseguem tumultuar o trabalho de profissionais que lutam na defesa de nossa saúde ameaçada pelo COVID-19 com a falsa opção: SIM ou NÃO, referindo-se à quarentena.

              A velocidade de contaminação deste novo coronavirus é tal que extrapola os recursos hospitalares disponíveis para tratamento. O que nos chama a atenção, porém, é que a luta contra o novo coronavírus em nosso País está concentrada somente em setores de saúde das três esferas de governo, coordenada pelo médico ortopedista e ex-deputado federal, Luiz Mandetta, atualmente Ministro da Saúde.

                A reduzida participação de outros setores que dispõem de experiência e conhecimento para colaborar na redução dos custos dessa luta é incrível. O mínimo que nós esperamos agora do governo é eficácia e eficiência no combate da epidemia de que somos vítimas. Basta-nos lembrar da frustração generalizada da população brasileira com o desempenho de nossa economia e do alto nível de desemprego prevalecente em nosso País, justamente no início dessa pandemia. O mínimo que nós esperamos agora do governo é eficácia e eficiência no combate da epidemia de que somos vítimas. O lema infantil de pessoas alienadas que “não há custo que não possa ser pago por uma vida salva” é de uma estultice que não merece comentário. Portanto, buscar integrar atividades de outros setores visando reduzir custos e garantir empregos, sem prejuízo de acabar com a epidemia, é sim, prioritário.

                Amenizar os efeitos negativos na economia e no emprego, já afetados seriamente nos últimos anos, é um objetivo secundário, porém muito importante e prioritário nas circunstâncias em que nos encontramos. Pensando nisso, ficamos impressionados achar-se que a mobilidade em espaços públicos urbanos, forte geradora de contaminação e determinante em justificar a quarentena de alto custo econômico e social, seja somente assunto de medicina.

                 Um exemplo típico de ineficácia é a ausência de fiscalização do respeito às regras impostas pela própria quarentena; na India se utiliza o chicote; na Europa, multa-se e prende-se; e, no Brasil, filmam-se os desobedientes. A prisão domiciliar preventiva se ajustaria perfeitamente aos nossos infratores.

                O direito de ir e vir nesse caso é cerceado, sem dúvida. Porém, sem prejuízo do direito de sair por pouco tempo para comprar produtos e serviços essenciais à sobrevivência, Se for vetada pela justiça por se tratar de cláusula pétrea de nossa Constituição, pergunta-se como se enquadraria o alto risco da contaminação pelo vírus causador de mortes evitáveis? Aonde iria o morto exercer seu direito constitucional de ir e vir?

                Com relação ao pequeno comércio ou lojas e consultórios de prestação de serviços com no máximo 3-4 empregados trazidos de casa e levados depois em transporte particular, ou abrigados no próprio estabelecimento, desde que funcionem de porta fechada com horários marcados para seus clientes, é medida que poderia e pode reduzir o impacto negativo sem risco para a quarentena já numa primeira fase de relaxamento em áreas e setores específicos. Trata-se, porém, de proposta a ser avaliada quando se iniciar a redução do isolamento.

                Os brasileiros, que não conseguem entender a importância da quarentena que envolve matemática, estatística e avaliação de cenários de probabilidade de resultados, estressados pelo desemprego e perdas de toda ordem dela decorrentes, dividiram-se em vários grupos: os que não gostam da quarentena, mas têm consciência que sem sucesso dela estaremos repetindo o ciclo desesperador da Itália, e por isso a toleram; restam ainda os que nunca a aceitaram e continuam circulando nas vias públicas a pé e de automóvel, por interesses e razões diversas; e, finalmente, o grupo político que imita o Presidente que a desrespeita em suas andanças em Brasília.

               Os que respeitam a quarentena seguem as normas do Ministério da Saúde, acolhidas pelo Presidente (sic), pelas demais instituições brasileiras envolvidas legalmente nela e pela Organização Mundial de Saúde.

                        É surpreendente, também, o silêncio que prevalece em relação à possibilidade de se produzirem no Brasil máscaras, luvas, aparelhos de teste, respiradores, desinfetantes gerais, álcool-70 e outros produtos essenciais de uso hospitalar, seja para reduzir preços e especulações, ou para evitar custos e atrasos frequentes nas importações. Não se tem notícias sobre entidades de saúde, da indústria e engenharia de produção e de centros de pesquisas de universidades, dialogando e avaliando juntos as possibilidades de sua produção. É possível que melhor coordenação e integração desses setores resultem em produção nacional desses instrumentos e produtos.

                           Lemos notícias recentes, por exemplo, que uma unidade “Startup” em Curitiba vai produzir testadores; e que pesquisa realizada na Escola Politécnica da USP já possui um protótipo de respirador.                                            

                            A situação de doentes morrerem por falta de respiradores ou o número de contaminados aumentar por ausência de fiscalização da quarentena, de testadores indispensáveis para monitorar e internar contaminados, são exemplos de situações inaceitáveis. Pior ainda, médicos, enfermeiros, enfermeiras, e demais pessoas que estão na frente da batalha em contato direto com os contaminados, sem a proteção adequada, correndo o risco de se contaminar e até mesmo falecer.

                        O objetivo da quarentena não é o de eliminar o coronavirus do rol de nossas doenças, transmissíveis ou não. Assim, como em outras doenças viróticas, o objetivo almejado é de termos uma vacina que proporcione a nosso sistema de imunização o poder de neutralizá-lo. Quem tem filhos se lembra de eventos que ampliaram o uso de vacinas desenvolvidas para preservarem sua saúde e a própria vida. Contudo, o atraso cultural, responsável por usos e costumes saudáveis, associado à falta de educação, particularmente sobre nosso corpo e suas características funcionais, têm-nos levado a situações incríveis, tais como: abandonar a vacinação porque ninguém mais tem sarampo; tomar injeção de antibiótico de largo espectro para combater gripe; utilizar remédio receitado para certa doença para curar outra, sem falar no recurso à nossa vegetação utilizada para tratamento de doenças sem base científica. A situação hoje é diferente em relação ao novo coronavirus?  Todos estamos conscientes dos riscos que corremos se contagiados?  Ouvi, recentemente, que já existe solução para a pandemia que ainda não foi adotada por razões políticas! É uma fantasia inimaginável que demonstra claramente nosso baixo nível sociocultural e sonhador que ainda domina nossas mentes ignorantes, principalmente quando nosso Presidente defende o uso de medicamento existente para uso em outras doenças e rejeitado cientificamente para tratamento do coronavirus.

                                                                 FIM