Friday, August 24, 2012

O IDOSO


Tendo atingido o meio do caminho percorrido pelos idosos, permito-me fazer algumas elucubrações a respeito do comportamento das pessoas incluídas nessa classe, ou seja, com mais de 65 anos. Arrisco-me a afirmar que o período que se desenvolve a partir dessa idade, para poucos já, e para muitos nas próximas décadas, pode ser dividido em três fases: do idoso jovem, 65-74; do idoso maduro, 75-84; e, finalmente, do idoso velho, 85-94. A taxa de mortalidade aumenta, obviamente, à medida que se avança na idade, tornando raros os que conseguem ultrapassar os 94 anos, apesar do número deles estar crescendo. Na qualidade de idoso maduro posso registrar algumas características nessas três fases que tenho tido a oportunidade de observar. A primeira é a mais alienante, pois a idosa jovem luta desesperadamente contra o tempo, buscando todas as formas possíveis e impossíveis de evitar seu envelhecimento a ponto de se iludir que é jovem mesmo. Corre e saltita na rua, pinta o cabelo, faz plásticas (até os homens entraram nessa), desenvolve uma terceira dentição, elimina os óculos, se possível. O mais cômico, porém, são as roupas juvenis e esportivas que usa, sempre rindo e dando pulinhos em excursões, ou tentando dançar igual aos jovens.

Desafiam os madurões que os substituíram no trabalho, expulsando-os do comando e do poder que desfrutavam: OS EXECUTIVOS NO CORREDOR DE SAÍDA (55-64), por exemplo. Muitos deles barrigudos, de cabelos brancos e, não poucos, infartados e cheios de pontes de safena que, se não se cuidarem acabarão no cemitério ou em cadeira de rodas, perdendo a melhor idade: a de idosos jovens recém aposentados. 

Os idosos maduros, porém, já estão se preparando para se tornarem velhos, porém com saúde. É a fase em que o tempo anda rápido porque ele é mais lento. Ainda bem, com razoável segurança, mas nada de pulinhos e abusos, muito menos tinturas, plásticas e outras medidas de rejuvenescimento que os tornariam ridículos. As mulheres nesse período, ainda insistem nessa luta contra o tempo. Quantas vezes observei um casal em carro de luxo parar e dele descer, primeiro o varão de cabelo completamente branco, cheio de rugas e papadas, barriguinha pontuda, andando com certa dificuldade em direção à porta do carro em que uma jovem loira o aguarda para abri-la. Ela surge como se fosse realmente uma jovem. Roupas, jóias, cabelos e tudo mais que encobre seu corpo, até mesmo a máscara perfeita criada pelo cirurgião plástico que esconde seu velho rosto. Não conseguem, porém, dissimular o jeito de senhora idosa que se revela já ao levantar-se do banco e sair do carro; e depois no andar, no olhar, e em outras manifestações corporais de sua idade, como a voz e a  respiração.

Finalmente, chegamos ao idoso velho, quase todos com sérias limitações físicas e mentais que nada mais escondem e que lutam para sobreviver sem dor e com alguns prazeres simples que o resto da vida ainda lhes pode proporcionar. É o período em que lembranças e esquecimentos se misturam e se confundem. Em que o estar acordado, dormindo e sonhando acontecem sem muito controle. Os movimentos são lentos e cuidadosos, assim como o falar e ouvir. Ao contrário do idoso jovem que luta contra o tempo, o velho idoso o esquece. É capaz de rir e de gostar de coisas simples. Perde-se em histórias e lembranças do passado, como se estivesse viajando pelos galhos de uma árvore frondosa sem saber qual o destino de sua caminhada: não se lembrando do início dela, tampouco do fim que lhe espera. Se durar muito, deve sentir-se como o fruto velho e insosso que não conseguiu desprender-se do galho, compartilhando-o com os novos botões de flores de uma nova geração. Como tudo na natureza, uma simples brisa o levará. É o fim.

É óbvio que o exercício de escrever sobre o mundo e buscar entende-lo, e até querer salvá-lo, permanece com o idoso jovem, mas esgota-se no período do idoso maduro em que terminam seus ensaios autobiográficos. Como todas as classificações, as que agora descrevo resumidamente estão cheias de exceções. As que acontecem para abreviar nossas vidas são execradas, tornando-nos reféns do esforço da moderna medicina para prolongá-las e, com isso, tirando-nos a necessária tranqüilidade para usufruirmos o que de mais prazeroso a vida nos oferece: o de viver em harmonia e comunhão com a natureza e com nossos semelhantes.  

Conclusão: assim como perdemos parte de nossa adolescência e juventude querendo parecer mais velho, o mesmo acontece com o idoso que perde tempo precioso de sua vida no esforço vão de parecer jovem ou de transformar sua
vida em mera luta para não morrer.  
                                            FIM

Saturday, August 18, 2012

MENSALÃO, O ETERNO MENSALÃO


O Ministro Marco Aurélio Mello disse bem que nas democracias “são os meios que justificam os fins”, referindo-se, obviamente, a condenações e absolvições que devem resultar de julgamentos livres e bem feitos. Se a pressa é inimiga da perfeição, podemos dizer que a chicana é amiga da impunidade temporal que pode resultar em não encarceramento, prescrição da pena ou morte do acusado.  O que também é importante  considerar é que todo o trabalho ou serviço profissional cujo resultado tem um fim pessoal, econômico, social, cultural, deve ser conduzido com seriedade, honestidade, competência e, acima de tudo, com eficácia. E nós todos, simples mortais, ainda que criados à imagem de Deus, sabemos que a variável tempo nos condiciona de forma inexorável. Por isso, encarecemos aos nobres ministros Celso de Mello, que não sofre da chamada angústia do tempo, e ao ministro Marco Aurélio Mello, que defende a excelência na qualidade do julgamento, que síntese e agilidade são qualidades importantes na prestação de qualquer serviço em que o tempo condiciona a eficácia. E é desta que o Poder Judiciário, como serviço público, mais precisa.
                                                   FIM
         Nota: Enviada cópia a Carta do Leitor do Estadão



Sunday, August 05, 2012

DESCONFIANÇA

Dadas a omissão da fiscalização pública e a prevalência da corrupção em nosso País, considero-me perfeitamente ajustado a minha vida em sociedade. Desenvolvi, ao longo de muitas décadas, instrumentos e mecanismos de identificação de eventuais “golpes” e como me defender deles. A gama de situações em que me envolvo, aferindo dados, informações, bem como formas de relacionamento duvidosas que possam se assemelhar a eventuais golpes e logros, exigiria um verdadeiro Manual de Como Evitar Ser Logrado.

Não há dúvidas que a vida se torna mais complexa e desgastante. Confesso que não me arrependo de estar de prontidão, pois a probabilidade do consumidor confiante ser passado para trás em nosso País é altíssima. Observo, porém, que se trata de um traço cultural que desenvolvemos para sobreviver em ambiente de promessas e responsabilidades vãs, associadas a instrumentos públicos de controle da malandragem completamente ausentes ou, na melhor das hipóteses, ineficientes.

Quase sempre minhas desconfianças se comprovam na prática. Ultimamente, dada a minha avançada idade, tenho sido mais cauteloso em minhas conclusões pelo fato de me fugirem da observação, outrora precisa e atenta, dados e informações e, até mesmo, bom senso nas avaliações, levando-me a atitudes precipitadas. Hoje, por exemplo, agradeço a minha discrição e calma em abordar um golpe que pensava estar sofrendo e que, de fato, não existiu.

Fui almoçar em Restaurante-Padaria, tipo bufê, que cobra por kg, no caso R$ 3,75 por 100g, ou seja, R$ 37,50 por quilo. Já na entrada, constava a informação que o peso do prato de 804g e da tigela de sobremesa de 250g, seriam reduzidos do peso total automaticamente. Não me fixei no “automaticamente” e me servi de porções um pouco maior do que costumo fazer. Em outras palavras, em torno de 350 a 400 g de alimentos. Servi-me de frutas para sobremesa porque achei o preço de R$ 2,50 por 100 g convidativo. Peguei um copo de 300 ml de chá de mate gelado. Qual não foi minha surpresa e irritação quando logo após ter retirado meu prato observei na balança os números 804 de um lado e 360 de outro. Concluí que registraram 804 g de alimento, cujo preço fora somado ao da sobremesa e do Chá de Mate, chegando a R$ 36,00. Não tinha mais dúvida, portanto, que estaria sendo roubado, apesar de considerar que me servi mais de alimentos pesados, como bacalhau e tomate. Depois de raciocinar um pouco, pensei comigo mesmo, tenho em minha frente um copo de 300 ml conforme está nele registrado. Trata-se de líquido contido em material extremamente leve. Seria um excelente instrumento para "checar" se a balança estava corretamente regulada. Uma senhora se atrasou e me permitiu colocar o copo na balança, tendo nele aparecido o número absurdo de 484. Reajo com educação, porém com firmeza, perguntando ao atendente como 300 ml de chá pode pesar 484g e noto o espanto da senhora que testemunhou meu teste. Ele respondeu-me que provavelmente o peso do continente (de plástico super leve!) era responsável pela diferença. Sentei-me e fiquei ruminando a situação, pois notei que apesar daquela senhora estar convencida como eu que houve logro, somente acrescentou: “Infelizmente nos logram de todos os jeitos possíveis” . Ela dera o sinal para eu agir, pois tenho horror a este espírito de aceitar logros como coisas normais da vida. Resolvi, então, procurar o gerente e "pegá-lo com a mão na botija". Nesse momento, o atendente relatou o caso ao supervisor do restaurante e este me olhou. Respondi com as mãos que tudo estava bem, levantando o polegar em sinal de aprovação. Aceitando, passivamente, sua justificativa de que "não me lembrara de somar ao peso do líquido o do copo de plástico". Voltei a pesar o copo com o chá intocado para confirmar minha suspeita. Lá estavam: 484 g. Saí rapidamente do local e dirigi-me à balança da frente da Padaria e constatei que o peso era de 320 g. Pedi, então, a presença imediata do gerente para tratar de assunto urgente e do interesse do restaurante. Demorou a aparecer um jovem gerente, calmo e atencioso. Dirigiu-se a mim, dizendo que provavelmente eu não notara que a balança já faz a dedução automática do peso do prato de 804 g. Sem entender o que ele dissera, chegamos lá e ele colocou o prato na balança e em seguida o Copo de Chá de Mate sobre o prato. O resultado foi de 320 g, exatamente igual ao peso da outra balança. Saí meio confuso e perturbado com o que vira antes da explicação dele. Lembrei-me então de um detalhe que havia registrado mentalmente sem dar-lhe importância, bem no lado esquerdo da balança o número 804 e, próximo ao número 8 a sua esquerda pequeno e quase indistinguível hífen. Fui ao caixa e aí tudo ficou claro, Minha despesa incluída a sobremesa e o Chá de Mate fora de pouco mais de R$ 23,00. Portanto, o hífen era na realidade um sinal negativo antes do 804 que zerava quando se punha o prato vazio na balança. E, somente a partir daí era registrado o peso do alimento sobre o prato. Quando coloquei o copo de Chá de Mate que pesava 320 g sem o prato esse número negativo reduziu-se de 804 para 484, ou seja, exatamente os 320 g do copo. Finalmente, saí encabulado e não deixei de me dirigir à senhora que concordou comigo que estávamos sendo roubados e a seu marido, pedindo-lhes desculpas pelo meu juízo precipitado. O outro número provavelmente se tratava da sobremesa cuja balança estava quebrada e, por isso, usaram a de alimentos, fazendo os ajustes necessários, obviamente, pois em nenhum momento identifiquei clima de armação no restaurante que pudesse sustentar nova suspeita.
                                                FIM