Friday, February 11, 2011

TREM-BALA

A dimensão continental do Brasil oferece oportunidades de escala para que se desenvolvam serviços e produtos relativos ao setor transportes altamente competitivos nos mercados interno e externo. Mas também tem o poder de mascarar erros altamente onerosos para a nação, quando a intervenção do Governo Federal, que dispõe de decisivo poder de regulamentar e financiar o setor, faz-se improvisada e intempestivamente. É bom recordar-se o cáos que prevalecia nos transportes de nosso país no início da década dos 60. Para corrigir os desequilíbrios e as distorções gerados por ações irrefletidas do setor público, particularmente no âmbito do Governo Federal, criou-se, em 1965, o Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes – GEIPOT responsável pela coordenação e supervisão do mais amplo estudo feito no país sobre política e planejamento de transportes, realizado em parceria com o Banco Mundial. Nesse período foram transferidas técnicas e instrumentos de análise de redes e de avaliação econômica para as equipes brasileiras que se integraram com os consultores estrangeiros na sua execução. Hoje, nosso país já domina o conhecimento necessário para a formulação de políticas de transporte que evitem a má alocação de recursos em projetos duvidosos e garantam a eficiência e eficácia do sistema como um todo para atender nossa diversificada e crescente demanda. Infelizmente não está sendo empregado como deveria e os resultados negativos gerados por estrangulamentos e ineficiência dos serviços de transportes crescem e ameaçam nosso desenvolvimento. Enquanto isso, assistimos preocupados o empenho do Governo Federal em iniciar ação isolada de grande porte que intervirá profundamente no sistema de transporte publico interurbano de passageiros: a introdução de trens de alta velocidade - TAV na região mais desenvolvida do País, sem que tenha havido avaliação técnica, econômica e ambiental desse projeto em face de outros projetos e alternativas de atendimento da demanda de serviços de transporte urbano e interurbano de passageiros nessa mesma região. Em outras palavras, deixou-se de lado o princípio básico de seleção de projetos de transportes face à escassez de recursos que é a definição da prioridade comparando-os entre si por meio dos efeitos que terão na rede em que serão inseridos. Enquanto isso, o pulso forte do Governo Federal busca garantir enormes aportes financeiros de empresas públicas e do BNDES para atrair interesses de entidades e fornecedores estrangeiros dispostos a transferir a complexa tecnologia envolvida nesses trens para uma empresa estatal cuja missão é criar um complexo industrial no País que tenha condições não só de executar o projeto Rio-São Paulo-Campinas, como estender o sistema para o interior e para o resto do país. É preciso que se diga que em matéria de investimentos em transportes a questão não é se rejeitar um projeto "ad eternum". O que se deseja é estabelecer sua prioridade no tempo e sua integração no sistema de transporte existente que envolve diferentes modalidades e tipos de serviços. Vários países no mundo estão engajados em projetos de trens de alta velocidade. O que não se pode é definir nossas prioridades por imitação. A seqüência correta seria: primeiro, discutir amplamente qual deve ser a nossa política de transportes urbanos e interurubanos. Depois dela aprovada, garantir-lhe o papel de norteadora na definição de prioridades dos projetos de investimentos públicos e do sistema tributário e financeiro que garantirá a sua correta implantação. Finalmente, juntar o projeto de trem de alta velocidade em diferentes versões de velocidade e custos, com os demais projetos de investimentos em transportes cujos impactos recíprocos sejam relevantes para efeito de avaliação. O transporte aéreo, os aeroportos, as tarifas e taxas ajustadas a custos de prestação de serviços em regime de concorrência sustentável, competirão diretamente com os serviços de trens de alta velocidade. Da mesma forma ocorrerá com o transporte interurbano de passageiros por rodovias, hoje carentes de infraestrutura rodoviária adequada. Os acessos às modalidades e serviços competitivos com o TAV terão de funcionar com mais eficiência para que os custos e os tempos se reduzam substancialmente. Deficiências existentes no transporte aéreo, rodoviário, metrô e trens suburbanos não devem servir de justificativa para o Trem de Alta Velocidade. Ao contrário, os projetos que visem aumentar a eficiência dos serviços competitivos, sejam eles investimentos ou regulamentações devem ser considerados na disputa de recursos com o TAV. É quase certo que melhor regulamentação do transporte aéreo associada a uma competição sustentável e acompanhada de aeroportos e acessos eficientes, tornem o TVA inviável no curto prazo. Para o brasileiro médio o transporte rodoviário é satisfatório em termos de tarifas e tempos de viagem. Estes últimos podem ser reduzidos e o conforto melhorado com mais facilidades de acesso urbano por meio de descentralização de terminais e menos congestionamentos, particularmente nas chegadas e saídas. Já os passageiros em que o tempo de viagem é o fator determinante, as tarifas aéreas têm condições de se reduzirem substancialmente se for dada mais liberdade e estimulada a competição entre as empresas aéreas. É de um conjunto maior e integrado, oriundos de diferentes modalidades e serviços, em que o trem-bala estará inserido, que serão extraídos os projetos prioritários de curto, médio e longo prazo. E não considerar o TAV como um projeto cuja viabilidade seja avaliada isoladamente e sua prioridade considerada fato consumado. Em situação semelhante que envolve bilhões de dólares na importação de caças franceses, já escolhidos à priori pelo então presidente Lula no desfile de Sete de Setembro de 2009, a que o presidente da França, Nicola Sarkozy, esteve presente, a Presidenta Dilma teve o bom senso e a coragem de solicitar que a aeronáutica reexamine tecnica e economicamente essa escolha e reapresente sua seleção definitiva. Em clima de demanda aquecida e inflação em alta, seria prudente entregar ao IPEA o exame urgente das questões aqui levantadas em relação ao TAV.
                                              FIM