Sunday, July 17, 2011

PENA OU ARREPENDIMENTO

Há momentos que nos encontramos em imenso patamar vazio. Um deserto sem ninguém. Somos dois: eu, o distraído: e ele, que não me viu; tampouco eu o vi. O resto são impulsos e sentimentos que nos acometeram durante alguns minutos. Ando entre as prateleiras do supermercado. O celular toca. Minha neta acrescenta à minha lista de compras mais uns itens. Estou sem paletó. Tampouco uso camisa com bolso. Não encontro a caneta para anotar o pedido. Retiro minha carteira do bolso e a encontro. Anoto os novos itens. Continuo andando e buscando produtos e preços. Alguns minutos passaram. Toco meus bolsos por fora e noto a falta da carteira. Corro nervoso ao local onde escrevi o pedido. Ela não está lá. Será que estaria nas prateleiras paralelas? Impossível. Os produtos não oferecem superfície plana para se escrever. Vejo um funcionário e pergunto-lhe se viu alguém pegar uma carteira. Responde-me que não; e quem a encontrou não vai me devolver. Saio abatido. Ando mais alguns passos e encontro duas funcionárias. Pergunto-lhes onde se costuma deixar objetos perdidos. No balcão do cliente, logo na entrada é a resposta. Uma delas diz que alguém entregou carteira perdida. Corro cheio de esperança. No balcão ao meu lado um cliente me olha e diz: “Não é esta?” Vejo que é preta e digo-lhe que não. Inocentemente, pensando que a sua lhe estivesse sendo restituída naquele momento, desanimei. Duas carteiras encontradas e devolvidas é fato raro. A moça procura no meio de papeis em gavetas e nada encontra. Insisto se não há outro lugar, pois tive notícia de que encontraram uma carteira recentemente. “Vá até aquele outro balcão” aponta. Ansioso, interrompo o atendimento de funcionária e pergunto-lhe se... Ela pede para me dirigir ao balcão a meu lado; ao me virar o funcionário segura minha carteira na mão e me entrega sem dizer nada. Por fora da carteira estavam juntos minúsculos recibos amarrotados de caixa sem nenhum valor Tudo intacto. Saio feliz. Meu coração e minha mente estavam livres do deserto em que me senti naqueles minutos. Felizmente não houve tempo suficiente para me enveredar em hipóteses e sentimentos desagradáveis. Foi um momento quase extracorpóreo. Terminei as compras e ao sair, narrei a história à caixa que me atendeu. E lhe disse que fiquei surpreso porque classe média – a qual eu pertenço – é gananciosa e não costuma devolver coisas achadas. Fiquei feliz e pensei. Será que eu faria o mesmo? Acredito que sim. Foi quando a caixa me disse. “Eu vi um senhor de uns quarenta anos (a idade foi resposta dada à minha curiosidade, posteriormente) veio do estacionamento e entregou a carteira ali no balcão da frente”. Ora, a carteira estava dentro do supermercado. Para trazê-la do estacionamento para dentro, deve tê-la levado e examinado o conteúdo. Carteira velha com menos de cinqüenta reais; cartões de seguro de dois carros velhos (1.996); cartões de bancos que exigem senhas para se tirar dinheiro; passe livre da SPTRANS para idoso. No deserto em que também ele se encontrava no momento de sua decisão ele pode ter examinado isso tudo, inclusive minha foto de idoso. Nesse momento ele não estava mais só. Ele estava diante de fatos de outro ser como ele. Ficou com pena e devolveu-a; ou se arrependeu, sem mesmo tê-la examinado, pois carregou consigo algo que não era dele. Foi puro arrependimento ou pena. Ou será porque não tinha nada de valor dentro e no futuro poderia se orgulhar do seu gesto, esquecendo-se do “intermezzo”. Chi lo sà?