Sunday, August 05, 2012

DESCONFIANÇA

Dadas a omissão da fiscalização pública e a prevalência da corrupção em nosso País, considero-me perfeitamente ajustado a minha vida em sociedade. Desenvolvi, ao longo de muitas décadas, instrumentos e mecanismos de identificação de eventuais “golpes” e como me defender deles. A gama de situações em que me envolvo, aferindo dados, informações, bem como formas de relacionamento duvidosas que possam se assemelhar a eventuais golpes e logros, exigiria um verdadeiro Manual de Como Evitar Ser Logrado.

Não há dúvidas que a vida se torna mais complexa e desgastante. Confesso que não me arrependo de estar de prontidão, pois a probabilidade do consumidor confiante ser passado para trás em nosso País é altíssima. Observo, porém, que se trata de um traço cultural que desenvolvemos para sobreviver em ambiente de promessas e responsabilidades vãs, associadas a instrumentos públicos de controle da malandragem completamente ausentes ou, na melhor das hipóteses, ineficientes.

Quase sempre minhas desconfianças se comprovam na prática. Ultimamente, dada a minha avançada idade, tenho sido mais cauteloso em minhas conclusões pelo fato de me fugirem da observação, outrora precisa e atenta, dados e informações e, até mesmo, bom senso nas avaliações, levando-me a atitudes precipitadas. Hoje, por exemplo, agradeço a minha discrição e calma em abordar um golpe que pensava estar sofrendo e que, de fato, não existiu.

Fui almoçar em Restaurante-Padaria, tipo bufê, que cobra por kg, no caso R$ 3,75 por 100g, ou seja, R$ 37,50 por quilo. Já na entrada, constava a informação que o peso do prato de 804g e da tigela de sobremesa de 250g, seriam reduzidos do peso total automaticamente. Não me fixei no “automaticamente” e me servi de porções um pouco maior do que costumo fazer. Em outras palavras, em torno de 350 a 400 g de alimentos. Servi-me de frutas para sobremesa porque achei o preço de R$ 2,50 por 100 g convidativo. Peguei um copo de 300 ml de chá de mate gelado. Qual não foi minha surpresa e irritação quando logo após ter retirado meu prato observei na balança os números 804 de um lado e 360 de outro. Concluí que registraram 804 g de alimento, cujo preço fora somado ao da sobremesa e do Chá de Mate, chegando a R$ 36,00. Não tinha mais dúvida, portanto, que estaria sendo roubado, apesar de considerar que me servi mais de alimentos pesados, como bacalhau e tomate. Depois de raciocinar um pouco, pensei comigo mesmo, tenho em minha frente um copo de 300 ml conforme está nele registrado. Trata-se de líquido contido em material extremamente leve. Seria um excelente instrumento para "checar" se a balança estava corretamente regulada. Uma senhora se atrasou e me permitiu colocar o copo na balança, tendo nele aparecido o número absurdo de 484. Reajo com educação, porém com firmeza, perguntando ao atendente como 300 ml de chá pode pesar 484g e noto o espanto da senhora que testemunhou meu teste. Ele respondeu-me que provavelmente o peso do continente (de plástico super leve!) era responsável pela diferença. Sentei-me e fiquei ruminando a situação, pois notei que apesar daquela senhora estar convencida como eu que houve logro, somente acrescentou: “Infelizmente nos logram de todos os jeitos possíveis” . Ela dera o sinal para eu agir, pois tenho horror a este espírito de aceitar logros como coisas normais da vida. Resolvi, então, procurar o gerente e "pegá-lo com a mão na botija". Nesse momento, o atendente relatou o caso ao supervisor do restaurante e este me olhou. Respondi com as mãos que tudo estava bem, levantando o polegar em sinal de aprovação. Aceitando, passivamente, sua justificativa de que "não me lembrara de somar ao peso do líquido o do copo de plástico". Voltei a pesar o copo com o chá intocado para confirmar minha suspeita. Lá estavam: 484 g. Saí rapidamente do local e dirigi-me à balança da frente da Padaria e constatei que o peso era de 320 g. Pedi, então, a presença imediata do gerente para tratar de assunto urgente e do interesse do restaurante. Demorou a aparecer um jovem gerente, calmo e atencioso. Dirigiu-se a mim, dizendo que provavelmente eu não notara que a balança já faz a dedução automática do peso do prato de 804 g. Sem entender o que ele dissera, chegamos lá e ele colocou o prato na balança e em seguida o Copo de Chá de Mate sobre o prato. O resultado foi de 320 g, exatamente igual ao peso da outra balança. Saí meio confuso e perturbado com o que vira antes da explicação dele. Lembrei-me então de um detalhe que havia registrado mentalmente sem dar-lhe importância, bem no lado esquerdo da balança o número 804 e, próximo ao número 8 a sua esquerda pequeno e quase indistinguível hífen. Fui ao caixa e aí tudo ficou claro, Minha despesa incluída a sobremesa e o Chá de Mate fora de pouco mais de R$ 23,00. Portanto, o hífen era na realidade um sinal negativo antes do 804 que zerava quando se punha o prato vazio na balança. E, somente a partir daí era registrado o peso do alimento sobre o prato. Quando coloquei o copo de Chá de Mate que pesava 320 g sem o prato esse número negativo reduziu-se de 804 para 484, ou seja, exatamente os 320 g do copo. Finalmente, saí encabulado e não deixei de me dirigir à senhora que concordou comigo que estávamos sendo roubados e a seu marido, pedindo-lhes desculpas pelo meu juízo precipitado. O outro número provavelmente se tratava da sobremesa cuja balança estava quebrada e, por isso, usaram a de alimentos, fazendo os ajustes necessários, obviamente, pois em nenhum momento identifiquei clima de armação no restaurante que pudesse sustentar nova suspeita.
                                                FIM

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