As
vias públicas e as obras e serviços complementares destinados ao trânsito rodoviário
constituem um dos mais importantes e dispendiosos serviços públicos oferecidos
à sociedade para circulação de veículos de passageiros e de carga, bem como de
pedestres e ciclistas, tanto nas redes viárias urbana e suburbana, como nas
redes rodoviárias interurbanas.
O
estágio de nosso desenvolvimento face a necessidades sociais urgentes não tem gerado
recursos públicos suficientes para financiar a construção e manutenção de vias
públicas e das obras e serviços complementares destinados ao trânsito seguro e
eficiente de veículos e pedestres.
Necessitamos,
portanto, com urgência, de arcabouço jurídico-institucional e administrativo-econômico-financeiro
que permita a sua concessão ao setor privado para que este assuma esses custos e
seja remunerado por tarifa de
circulação rodoviária a ser paga pelos usuários. Dessa forma, também se
corrige séria distorção no sistema de custos e tarifas de transporte do País
vigentes no mercado causada por subvenção pública ao transporte rodoviário que o
torna falsamente mais competitivo que os serviços oferecidos nas demais modalidades
cujos custos e tarifas já incorporam os da sua infraestrutura. O argumento de
que se pagam impostos, taxas e até seguro obrigatório para se ter e operar um
veículo de passageiro ou de carga e, em determinados trechos rodoviários até
mesmo pedágio nas rodovias, é válido. Porém, dada a característica de não
corresponderem à política que aqui se recomenda, qual seja a de cobrirem a
parcela do custo corretamente calculado para categorias distintas de veículos e
de uso da infraestrutura, gera situações absurdas. Exemplo maior disso é que o Imposto
Territorial Urbano – IPTU seja utilizado, em grande parte, para cobrir os
custos do trânsito rodoviário relativos à infraestrutura viária e obras e
serviços a ela associados, reforçando a injustiça econômica imposta aos que
andam a pé e circulam pouco de automóvel; imagine-se qual seria o valor do IPTU
se também a prefeitura devesse arcar com os custos de oferta gratuita de
eletricidade, de telefonia, de água e esgotos, bastando o cidadão comprar a
geladeira, o telefone, o chuveiro e pagar os custos de sua instalação, como se
faz com o carro.
No
Brasil, não se tem acompanhado o desenvolvimento de novas técnicas de cálculo
de custos rodoviários e métodos de sua correta cobrança dos diferentes usuários.
No custo do serviço prestado ao carro
particular devem entrar o da construção,
manutenção e recuperação periódica do pavimento das vias e das obras acessórias,
como também o da operação do trânsito, como sinalização, fiscalização, resgates
de veículos e cargas, e de passageiros feridos e mortos em acidentes, além da
supervisão do sistema para garantir a segurança e o conforto dos usuários.
Necessita-se de pesquisas de como se calcularem distâncias percorridas, pesos e
volumes das diferentes categorias de veículos, fatores importantes dos custos
para serem somados aos de sua operação privada.
Pergunta-se
se o uso do GPS ou identificadores terrestres terão condições de aferir entre
milhões de veículos em trânsito, a distância percorrida individualmente, em diferentes
percursos utilizados por cada um deles? Qual o custo desse sistema e, se viável,
qual seriam as tarifas por quilometro a serem cobradas dos diferentes tipos de
veículos em circulação? Somente estudos e pesquisas poderão responder essas
perguntas. E, finalmente, como se poderia testar o sistema concebido em projeto
piloto em cidade pequena ou em área restrita de cidade grande?
Apesar
de sua importância, estamos longe de ter uma apropriação dos custos incorridos e
não pagos pelos veículos automotores usuários das vias públicas. Não obstante, é necessário que tenhamos um
sistema de tarifação de trânsito de veículos automotores que incorpore, também,
os custos das obras e serviços que lhes possibilitam circular com liberdade e
segurança em nossas vias públicas, sejam elas urbanas ou interurbanas. Trata-se
de medida que melhora a eficiência do sistema produtivo ao permitir que a
demanda e oferta de infraestrutura para o trânsito se ajustem diretamente via
mercado, como já acontece com eletricidade, água , telefonia e outros serviços
públicos. O atual sistema de financiamento público dessa infraestrutura
não atende o mínimo esperado de racionalidade econômica e justiça social que
deveriam nortear as ações das três esferas de governo que utilizam recursos de
impostos, inclusive de imposto sobre a renda, para atender necessidades
específicas de trânsito rodoviário constituídas pelo movimento de cargas e
pessoas, sejam elas geradas nas etapas de investimento, importação, produção e
de distribuição, sejam elas nas etapas de consumo e de exportação. É necessário que se tenha claro o conceito de que a infraestrutura e
os investimentos e serviços dela decorrentes visando garantir trânsito
rodoviário eficiente e seguro é parte do sistema produtivo, que em democracias
como a nossa se organizam e são operados livremente por meio dos estímulos de
mercado em que a oferta e demanda interagem continuamente em busca de
equilíbrio. Dificilmente, haverá estrangulamentos se a economia de mercado
funcionar com razoável liberdade e nível de competição.
O
Brasil em passado não muito distante impôs à população sérias limitações de
acesso a serviços públicos em que o governo se apresentava como único
fornecedor. A telefonia, entre outros, obrigava a população a comprar debêntures
e posteriormente ações das empresas públicas com o objetivo de conseguir a
instalação de um telefone. A distorção imposta ao usuário de telefones
estimulou, inclusive, investimentos de poupadores que compravam linhas
telefônicas e as alugavam aos usuários por mensalidades que lhes garantiam
rentabilidade superior à poupança ou outras aplicações financeiras no mercado.
Nos investimentos em infraestrutura rodoviária desenvolveu-se um sistema de
financiamento baseado no consumo de
combustíveis e derivados de petróleo sobre o qual incidia o Imposto Único
de Combustíveis e Derivados de Petróleo com rateio entre a União, Estados e
Municípios conforme porcentagens definidas segundo certas variáveis como frota de veículo, população e outras. Na
segunda metade da década dos 60 e na metade da década dos 70 realizou-se no
Brasil o maior estudo sobre o sistema de transportes do País cujo
desenvolvimento e operação eram financeira e economicamente caóticos naquela
época. Enquanto havia programas de asfaltamento distribuídos pelo Estado de
Minas Gerais para garantir acesso a estâncias hidrominerais, no norte do Paraná,
onde acontecia uma explosão de atividades agrícolas em que se destacava a produção
de café, os motoristas dirigiam seus caminhões com lenços cobrindo a boca e o
nariz, tal era a quantidade de poeira vermelha aderente gerada pelo trânsito
intenso.
Os
serviços públicos cuja prestação pode ser quantificada por sistema de aferição
razoavelmente individualizado a ponto de permitir que se fixem preços ou tarifas
unitárias, tendem a ser privatizados com sucesso, desde que se mantenha, porém,
uma vigilância que evite cartéis e monopólios, destruidores do mercado
competitivo. Os serviços de transportes estão rapidamente se integrando no
mercado, como demonstram as empresas aéreas e os aeroportos, portos, ferrovias,
hidrovias, infraestrutura rodoviária com elevado volume de trânsito por meio de
concessões. Restam as rodovias com baixo volume de trânsito e, principalmente,
infraestrutura rodoviária urbana.
São
Paulo, 19/10/2016
*Corresponde ao item 49 das Medidas
Prioritárias para Proteção dos Pedestres- recomendadas pela Associação
Brasileira de Pedestres- ABRASPE
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