Sunday, March 29, 2009

DEMOCRACIA E DITADURA DA MAIORIA

Uma das confusões mais perniciosas para o cidadão brasileiro é nossos políticos esquecerem, no dia-a-dia, a diferença entre vontade da maioria com democracia. Ainda que em discursos formais bem elaborados e cuidadosamente revistos eles caracterizem como base fundamental do governo democrático o respeito às minorias, nas atividades correntes se esquecem disso com muita freqüência. E pior, os cidadãos da minoria prejudicada em seus direitos garantidos por lei se omitem diante da ditadura da maioria. Outra dificuldade por má formação intelectual do político é a falta de lógica em seu raciocínio. Quando se juntam essas falhas surgem idéias e propostas de ações e políticas que visam, muitas delas, a objetivos nobres, contudo, os meios irracionalmente escolhidos acabam gerando desperdício de recursos e introduzindo mecanismos e regras administrativas que contrariam os bons princípios democráticos conquistados pela sociedade e assimilados em suas práticas ao longo dos anos.

O exemplo mais notório disso é a insistência com que o atual governo está introduzindo o sistema de cotas nas universidades públicas federais e, agora, a discussão da eficácia do vestibular. Em excelente artigo publicado na Folha do dia 23/3, Vestibular como Anomalia?, Carlos Eduardo Bindi escreve em determinado trecho “O estudante da escola pública de ensino médio nunca questiona o vestibular, alegando ser ele ilícito. Ele reclama é do fato de não ter sido aprovado porque não teve acesso ao conhecimento que deveria ter sido proporcionado a ele”. A falta de lógica no sistema de cotas é tão gritante que dispensa comentários. A eliminação do vestibular no atual estágio de nosso ensino superior, porque não é o instrumento perfeito de seleção, seria o golpe de graça na preservação da qualidade de nossos profissionais de nível superior. Não se deve olvidar que o estreito canal de entrada nas universidades já foi dilatado com a instalação irresponsável e sem controle de entidades de ensino superior, muitas delas com o único objetivo de produzir lucros a seus proprietários. Em muitos casos não é exagero se afirmar que nelas se vendem diplomas a prestações cujo número é estabelecido pelo período que o estudante-comprador deverá “permanecer” como aluno do estabelecimento. No caso do diploma de bacharel em direito, por exemplo, a deterioração do ensino foi tal que a OAB criou um crivo específico para eliminar pessoas completamente inabilitadas para o exercício da profissão. É como se o egresso de uma Escola de Engenharia ou Medicina perdesse o direito de exercer sua profissão depois de ser diplomado, devendo passar por novo exame organizado pelas entidades de suas respectivas classes. O vestibular ao eliminar 95% dos candidatos (número citado por Bindi) gera, também, uma situação muito pouco comentada, qual seja, a de selecionar uma elite de elevada capacidade mental e intelectual que terá condições de avaliar criticamente o próprio ensino superior e tapar os “furos” nele existentes por meio de cursos, seminários e leituras complementares. Quem freqüentou curso superior sabe que a competência dos professores varia muito entre eles e tende a se estagnar, ou até mesmo se deteriorar, em muitos casos, pela falta de estímulos, especialmente de competição, para que se mantenha permanentemente atualizado em sua matéria. Após conseguir o cargo por concurso público, sua estabilidade não é ameaçada. A maior parte dessa elite de estudantes que passou no vestibular vai à luta, preenchendo os vazios deixados no ensino superior e avançando com novas técnicas, práticas e conhecimentos para enfrentar a acirrada competição em seu mercado profissional. Atitude nem sempre adotada pelos maus professores que não cumprem com sua obrigação de manter-se continuamente atualizado.

Em suma, o que mais precisamos no Brasil é de um ensino fundamental e médio de alta qualidade, seja ele público ou privado, que garanta conhecimentos e habilidades para o exercício profissional competente e honesto visando a atender a demanda de nossa sociedade; adequados, obviamente, a uma filosofia de vida compatível com a harmonia social e ambiental, tão necessária em nossos dias. O ensino superior, bem como as pós-graduações, devem ser reservados somente aos estudantes mais qualificados, sem distinção de classe, cor, raça, religião,gênero, ou qualquer outro sectarismo porventura existente. Para que o País não prejudique os mais pobres nessa seleção, pois iniciam seus estudos com bagagem cultural menor, compete ao governo garantir a igualdade de oportunidades, fornecendo-lhes subsídios e atenção especial, inclusive à família, no caso dos mais dotados, para que a igualdade de oportunidades seja real e lhe garanta o acesso até o nível de educação que tiver desejo e qualificação para chegar. Arrombar as portas das universidades com cotas e privilégios, e agora com o questionamento da eficácia do vestibular, mais parece uma revolução em que o governo busca incessantemente a cooptação da maioria negra e parda, bem como daqueles que por deficiência das escolas públicas não têm condições de competir no vestibular. Se a qualidade de nossos “doutores” e técnicos cair, ainda mais,em conseqüência disso,o prejuízo social e econômico do País será avassalador, pois o tempo perdido não poderá ser recuperado. O Brasil já demonstra falta de profissionais competentes de nível médio e superior no estágio atual de desenvolvimento,fazendo com que a melhoria da educação seja aclamada, conclamada e proclamada como prioridade número um por todos especialistas em desenvolvimento econômico, social, cultural e ambiental.

Por outro lado, em recente manifestação sobre a crise financeira e econômica internacional o Presidente Lula afirmou o seguinte: “É uma crise causada, fomentada, por comportamentos irracionais de gente branca, de olhos azuis, que antes da crise parecia que sabia tudo e que, agora, demonstra não saber nada”. Questionado por jornalista da BBC sobre essa tirada, ele respondeu: “como não conheço nenhum banqueiro negro ou índio, só posso dizer que essa parte da humanidade, que é a mais, eu diria, vítima do mundo, pague por uma crise” (frases publicadas na Revista Época de 28/3. Ora, o que se observa aqui, novamente, é o confronto de cores de pele, esquecendo-se da falta de lógica, pois está implícita a idéia em sua explicação ao jornalista da BBC, que se os banqueiros fossem negros e índios não tinha importância que suas populações fossem vítimas da crise. Esquecendo-se, além disso, que a população branca, inclusive as de olhos azuis, não merece estar sofrendo por uma crise gerada pela irresponsabilidade de agentes do setor financeiro e de incopetencia do governo norte-americano. Essas tiradas sem lógica, prejudicam a imagem do Presidente Lula e o enfraquecem na luta contra o protecionismo no comércio internacional, pela revisão da estrutura do sistema financeiro internacional e do papel do FMI, pela participação do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, que conta com o respaldo de todos nós brasileiros, brancos, negros, pardos, amarelos, e outras cores de pele.

Enquanto a mídia encara jocosamente as tiradas do Presidente Lula, a falta de lógica do sistema de cotas para negros e pardos e de preferência aos egressos de escolas públicas no acesso às universidades federais deve ser analisado e avaliado com seriedade e preocupação, pois coloca em risco o sistema de mérito cuja immparcialidade e eficácia na seleção dos melhores estudantes não foi colocada em dúvida até hoje.

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