Friday, June 11, 2010

Açucar no Pré-Sal

O artigo do Senador Sarney com o título acima (transcrição abaixo) é açucarado demais. Projetos e programas públicos e privados de grande porte têm de demonstrar viabilidade e sustentabilidade econômica e ambiental a longuíssimo prazo. O ouro negro é realmente “grana”, como afirma Sarney. Porém, se exportado em grande escala, a entrada de moeda estrangeira valorizará o real e tornará produtos e serviços importados mais baratos que os nacionais. Indústrias e serviços tecnicamente sofisticados serão extirpados de nosso território. Hoje, exportações de soja, minério de ferro, e outras “commodities”, por exemplo, associadas a entradas positivas de capital, são amostra pequena do que poderá acontecer com nossa moeda e estrutura de produção no futuro. É bom lembrar que fundo de poupança, mantendo parte da receita em moeda estrangeira no exterior para evitar a valorização do real será de uma nação ainda pobre e carente, “pronta” para gastá-lo, e não a do sempre citado exemplo da Noruega, em que seu povo já dispõe de serviços públicos e de infra-estrutura social de alta qualidade. Fato notório de omissão de Sarney na abordagem do assunto é comparar o sistema de partilha com o de concessão, adotado até agora, sem mencionar que neste último o Brasil participa no lucro da exploração (receita menos custos), abastecendo generosamente os cofres públicos. São esses recursos, gerados pelas concessões com participação nos lucros, que o Governador Sérgio Cabral luta bravamente. O sistema de partilha obrigará órgãos públicos e empresas estatais a armazenar, transportar e comercializar petróleo e derivados em grande escala para produzir receitas das áreas concedidas. Com essa lacuna, Sarney dá a entender que “nunca antes neste País” houve tanta inteligência e patriotismo em defesa da riqueza nacional ao se propor e discutir, atropeladamente, o sistema de partilha. O que fica demonstrado, claramente, é que a pressa do presidente Lula em aprovar as propostas do executivo está sendo nociva para nosso futuro pela falta de debate e conhecimento no Congresso e na sociedade civil organizada.

JOSÉ SARNEY em Açúcar no pré-sal

A alma brasileira nos últimos tempos tomou-se de justificado peito cheio após a descoberta do pré-sal. De repente acordamos com a decisão do Criador de ficarmos bilionários, o Brasil de riso aberto e cara diferente daquele "ame-o ou deixe-o". Barriga cheia de petróleo e olhos de Opep.
O bom é ser um sonho-verdade. Vivi os vários tempos, a começar dos anos 50, em que o Brasil lidou com o petróleo como amigo e inimigo, ter e não ter. O mundo em 140 anos, consumiu mais de um trilhão de barris e as reservas mundiais descobertas indicam a existência de outro trilhão. O Brasil, antes do pré-sal, tinha petróleo apenas para 18 anos, e com ele pode chegar a cem e, se Deus guardou com cuidado, para muitos anos mais.
Como toda riqueza, desperta ambição e briga. Luís Viana falava: "Ali está uma família unida"; e ele mesmo perguntava: "Já teve herança a dividir?". É o que estamos vivendo, numa luta de gladiadores, Estados, municípios, políticos com e sem voto, palpiteiros em busca de ribalta, mamulengos fingindo ódios e raivas pelo modo de repartir o bolo.
Cada um quer seu pedaço e invoca argumentos, desde a formação redonda dos mares da Terra à necessidade de dar um litro de gasolina a cada brasileiro.

A novidade é o modelo correto de adotar a partilha, e não a concessão, na exploração das novas reservas.Num, elas podem ser privadas e estrangeiras, noutro, são da Petrobras, como ícone do povo brasileiro. A verdade é que 80% do petróleo do mundo vem de poços em sistema de partilha, pois ninguém vai dividir com os de fora o que pode fazer com os seus.

Se tudo correr bem, em breve vai aparecer a cor dessa grana. Julgo que quem já tem direito adquirido, recebendo royalties, como o Rio e o Espírito Santo, não pode perder seus ganhos. Seria um absurdo e nada constitucional.
Mas, daqui para a frente, as riquezas que pertencem à nação não podem deixar de ser divididas entre todos e destinadas para transformar o Brasil, a começar por educação e tecnologia, socorrer Estados e municípios contra a pobreza.O Brasil tem uma oportunidade extraordinária, e não deve perdê-la em conversas de botequim. Celso Furtado escreveu um livro dizendo que a Venezuela, quando descobriu petróleo, podia se transformar num dos maiores países da América. Não souberam aproveitar a chance e deu no que está dando.
A visão política de encarar o problema não está à altura do desafio. Este assunto deve caminhar para um novo patamar de discussão e solução. Um terreno de união nacional, sem oposição ou governo. É o presente e o futuro. Hora de estadistas, tempo de soluções grandiosas. Colocar açúcar no pré-sal.
Nota: Transcrito da Folha de São Paulo de 11/06/10

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